terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Dezesseis anos

Acordei, sonolenta, com dezesseis anos. Sim, com dezesseis. Cheguei a sentir o cheiro de chá com sálvia preparado pela minha mãe. Os raios de sol invadiram o quarto por uma fresta no alto da janela, tal qual era o meu quarto em Uruguaiana.
Que sensação estranha! Depois de abrir os olhos pela segunda vez, descobri que estava no presente, em meu quarto atual. Tanto tempo se passou. Me vieram lembranças estranhas de umas fotos do Michael Jackson coladas na parede, do lado da minha cama, um armário muito bagunçado, o teto branco, uma estante com uma coleção de livros clássicos, desde Machado de Assis, passando por Leon Tolstói e Dostoievsky. Adorava ler e reler o romance de Moll Flanders.
Minha visão embaçada rebuscava na memória um cobertor xadrez vermelho e um lençol bordado nas extremidades. Ouvi a voz da minha mãe me chamar para ir ao colégio. Que frio! Não quero ir. Mas se ficar vou ter que arrumar a casa. Não, é melhor levantar e encarar o frio.
Minha memória vagou novamente e foi parar na penteadeira onde havia uma pasta azul de plástico e um caderno velho onde eu anotava alguns pensamentos. Acho que morreria de rir se encontrasse aquele caderno. Eram ideias bobas, sem sentido, pensamentos ingênuos de uma época em que predominavam os amores platônicos.
Vagando pelo meu antigo quarto, encontrei uma caixinha de maquiagem que ganhei da minha tia, quando morava em Amã. As cores eram berrantes. Uma sombra verde bandeira, uma azul, um blush rosa, um delineador verde e um brilho labial muito vermelho. Fazia sentido usar aquelas cores quando eu tinha doze ou treze anos, mas aos dezesseis me pareceram absolutamente improváveis.
Depois de muita resistência, levantei da cama e vesti uma blusa de lã branca que a minhã mãe tricotou para mim e uma calça jeans pra lá de surrada. Meu tênis estava molhado, portanto teria que usar uma bota preta, cheia de tachinhas, estilo Virginie, vocalista do Metrô ou a Paula Toller nos anos 80. O exagero era moda.
Na sala, havia uma mesa de madeira, cercada de muitas cadeiras. Seis iguais e duas improvisadas pelo meu pai. Eram cadeiras feias, desgastadas pelo tempo, mas davam uma cara de lar àquela casa. O café da manhã era sempre muito farto. Zaatar, ovos fritos, queijos, azeitonas, coalhada seca, tomate e pepino, chá preto com sálvia ou café ou uma vitamina com bolacha maria, a famosa "batida" da Dona Âmina. Bons tempos. Hoje o meu café da manhã consiste num copo d'água e uma fruta que devoro enquanto dirijo.
Caminhando pela 7 de Setembro, rua onde eu morava, vou escorregando na geada que se formou na calçada. Ainda bem que naquela época os muros eram baixos e a gente ia se apoiando neles. A escola ficava bem longe, uma caminhada de cerca de 25 minutos. Mas a sensação era boa. À medida que ia andando, alguns colegas iam se juntando à mim, formando um grupo numeroso e animado. Logo esquecíamos o frio e a brincadeira corria solto.
O despertador toca pela terceira vez e me traz de volta ao presente. Preciso tomar um banho, dar ração aos meus bichinhos, improvisar um lanche, fazer minha maquiagem, achar uma roupa em meio ao caos do meu armário e verificar se está tudo certo antes de sair. É, bons tempos! Preferia continuar vagando nos meus dezesseis anos!

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Expediente


Meu inconsciente diz:  São só mais algumas horas.
Meu cérebro diz: Horas valiosas perdidas.
Uma lagartixa no pátio me distrai. Fica ali, inerte, ao sol. Couro estranho esse da lagartixa.
Tantas mudanças por fazer e eu aqui de mãos amarradas observando uma lagartixa. Quem foi que inventou essa coisa de expediente? Por que não podemos simplesmente cumprir nossas tarefas e utilizar nosso tempo a nosso favor? Felizes são os que trabalham na Microsoft e podem escolher os horários de trabalho, desde que cumpram suas funções.
Enfim uma tarefa. Algo que posso cumprir em cinco minutos. Bom, pelo menos o meu salário está sendo justificado.
Tarefa idiota! Eu poderia fazer isso de qualquer lugar do universo!
Tem uma mancha na parede da minha sala. De terra. Como é que alguém conseguiu fazer isso? Será que o jardineiro encostou a mão ali sem querer? Vai saber!
Um telefonema. Vou dar uma informação. Muito bom. Mais uma justificativa para o meu ganha-pão.  Mas que diabos estou fazendo aqui? Logo eu com essa minha mente inquieta, fervilhante? Por que nunca consegui me acomodar? Por que não aceito regras? Por que simplesmente não sei ficar no meu lugar?
Eu tenho projetos. Muitos projetos. Preciso de grana. Pouca grana. Nada demais. Nada surpreendente. Quero montar uma empresa, escrever um livro, fazer artesanato, aprender a tocar um instrumento, colocar o meu blog em dia. Tanta coisa que quero fazer!
Quero sair daqui. Meu amor me espera bem ali. Seria tão simples, mas é complicado. Claro, tinha que ser complicado, afinal trata-se desta pessoa que vos escreve. Nada é simples quando a pessoa em questão sou eu.
A lagartixa se moveu. Até que enfim um movimento! Pelo menos ela pode se mover.
Sinto um acúmulo de ideias inúteis. Preciso fazer uma faxina mental. Destas em que descartamos tudo o que já não tem mais serventia. Valores antigos, hábitos antigos. Acumulei tanta bagagem ao longo da vida e agora sinto que boa parte dela só serviu de peso morto. Preciso de leveza.
Não! Isso não é um desabafo. Estou apenas liberando fantasmas! E queimando algumas bruxas!
A lagartixa se foi! Sortuda! E eu aqui, cumprindo expediente!