quarta-feira, 18 de maio de 2011

Sobre Nakba e Palestina

O Estado de S. Paulo
 » 2011 » 05 » 18 »
O muito protelado Estado palestino
Mahmoud Abbas,
do The New York Times
Se a comunidade internacional mantiver a promessa que fez há seis décadas, haverá um futuro de dignidade para o povo

Há 63 anos, um garoto palestino de 13 anos foi obrigado a abandonar seu lar na cidade de Safed, na Galileia, e fugir com sua família para a Síria. Ele foi abrigado numa tenda de lona fornecida a todos os refugiados que chegavam. Embora ele e sua família desejassem durante décadas retornar ao seu lar e à sua pátria, foi-lhes negado esse mais básico dos direitos humanos. Essa história de criança, como a de tantos outros palestinos, é a minha.
Mas, neste mês, no momento em que recordamos mais um ano de nossa expulsão - que chamamos de "nakba", ou catástrofe - o povo palestino tem motivos para esperanças: em setembro, na Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas, pediremos o reconhecimento internacional do Estado da Palestina nas fronteiras de 1967 e também que nosso Estado seja admitido como membro pleno da ONU.
Muitos estão questionando o valor desse reconhecimento enquanto persiste a ocupação israelense. Outros nos acusaram de colocar em risco o processo de paz. Nós acreditamos, porém, que há um valor imenso para todos os palestinos - aqueles que vivem na pátria, no exílio e sob ocupação.
É importante notar que a última vez em que a questão de um Estado palestino ocupou o centro das atenções na Assembleia-Geral da ONU, a questão colocada à comunidade internacional foi se nossa pátria deveria ser dividida em dois Estados.
Em novembro de 1947, a Assembleia-Geral fez sua recomendação e respondeu afirmativamente. Pouco tempo depois, forças sionistas expulsaram árabes palestinos para garantir uma maioria judaica decisiva no futuro Estado de Israel, e exércitos árabes intervieram.
Guerra e novas expulsões se seguiram. Aliás, foram os descendentes desses palestinos expulsos que foram mortos e feridos por forças israelenses no domingo quando tentavam exercer simbolicamente seu direito de retornar aos lares de suas famílias. Minutos depois de o Estado de Israel ser criado em 14 de maio de 1948, os Estados Unidos concederam-lhe reconhecimento. Nosso Estado palestino, porém, continua sendo uma promessa não cumprida.
A admissão da Palestina na ONU aplainará o caminho para a internacionalização do conflito enquanto uma questão legal, e não apenas política. Aplainará também o caminho para fazermos demandas contra Israel na ONU, em organismos de tratados de direitos humanos e no Tribunal Internacional de Justiça.
Nossa busca por reconhecimento como Estado não deve ser vista como um embuste; muitos de nossos homens e mulheres foram perdidos para nos engajarmos em semelhante teatro político. Vamos às Nações Unidas agora para assegurar o direito de vivermos livres nos 22% restantes de nossa pátria histórica porque estivemos negociando com o Estado de Israel por 20 anos sem chegar minimamente mais perto de conseguir um Estado nosso.
Assentamentos. Não podemos esperar indefinidamente enquanto Israel continua enviando mais colonos para a Cisjordânia ocupada e nega a palestinos o acesso a grande parte de nossa terra e nossos locais sagrados, particularmente em Jerusalém. Nem pressões políticas nem promessas de recompensas dos Estados Unidos barraram o programa de assentamentos de Israel.
As negociações continuam sendo nossa primeira opção, mas como elas falharam, somos agora compelidos a recorrer à comunidade internacional para nos ajudar a preservar a oportunidade de um fim justo e pacífico do conflito. A unidade nacional palestina é um passo decisivo nesse sentido.
Ao contrário do que afirma o premiê israelense, Binyamin "Bibi" Netanyahu, e do que se pode esperar nesta semana durante sua visita a Washington, a escolha não é entre unidade palestina ou paz com Israel; é entre uma solução de dois Estrados ou colônias de assentamentos.
Apesar da tentativa de Israel de se contrapor a nossa muito aguardada participação na comunidade de nações, nós preenchemos todos os pré-requisitos de soberania estatal listados na Convenção de Montevidéu, no tratado de 1933 que estabelece os direitos e deveres de Estados.
A população permanente de nossa terra é o povo palestino, cujo direito à autodeterminação tem sido repetidamente reconhecido pelas Nações Unidas, e pelo Tribunal Internacional de Justiça em 2004. Nosso território é reconhecido como as terras demarcadas pela fronteira de 1967, embora esteja ocupado por Israel.
Temos a capacidade de estabelecer relações com outros Estados e ter embaixadas e missões em mais de cem países. O Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e a União Europeia indicaram que nossas instituições estão desenvolvidas ao nível em que estamos agora preparados para ser um Estado soberano. Somente a ocupação de nossa terra nos impede de atingirmos nosso pleno potencial nacional: ela não impede o reconhecimento pelas Nações Unidas.
Compromisso. O Estado da Palestina pretende ser uma nação amante da paz, comprometida com direitos humanos, democracia, o estado de direito e os princípios da Carta das Nações Unidas. Uma vez admitido na ONU, nosso Estado estará pronto para negociar todas as questões centrais do conflito com Israel. Um enfoque decisivo das negociações será alcançar uma solução justa para os refugiados palestinos com base na Resolução 194, que a Assembleia-Geral aprovou em 1948.
A Palestina estaria negociando da posição de um membro das Nações Unidas cujo território está militarmente ocupado por outro, e não como um povo vencido pronto a aceitar quaisquer termos que lhe forem oferecidos.
Convocamos todos os países amigos e amantes da paz a se unirem a nós na realização de nossas aspirações nacionais de reconhecimento do Estado Palestino nas fronteiras de 1967 e de apoio a sua admissão na Organização das Nações Unidas.
Somente se a comunidade internacional mantiver a promessa que nos fez há seis décadas, e assegurar que uma solução justa para os refugiados palestinos seja colocada em vigor, poderá haver um futuro de esperança e dignidade para nosso povo. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK

É PRESIDENTE DA ORGANIZAÇÃO PARA A LIBERTAÇÃO DA PALESTINA E PRESIDENTE DA AUTORIDADE NACIONAL PALESTINA

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