Acordei com fome! Não fome de comida, mas fome de aromas! Minha empregada detesta qualquer coisa que se relacione à culinária e até meu sagrado cafézinho matinal fica comprometido devido à tal falta de talento.
Logo cedo, lembrei daquele episódio de Tom e Jerry, onde o Jerry era arrastado pela mãozinha do aroma do queijo vindo da cozinha. Eu também era arrastada para a cozinha de manhã, pelo aroma do café, do leite, do pão recém saído do forno, do queijo branco que a minha mãe conservada em água e sal, da manteiga que o leiteiro trazia da fazenda, do azeite com zaatar, dos ovos fritos, do chá com maramieh (sálvia). Bons tempos!
Talvez pareça bobagem para alguns, mas o cheirinho da nossa casa, da nossa infância e da comida da mamãe fica impregnado no nosso subconsciente e vez por outra, vem aquela recaída e a vontade de voltar no tempo e curtir um pouco mais aquele momento.
No meu tempo de infância (faz muito tempo, eu sei!), as coisas aconteciam devagar, a gente tomava café da manhã com toda a família em volta da mesa, o leiteiro vinha cedinho, trazer o leite e a manteiga, a padaria ficava bem pertinho de casa e a gente sabia a hora da melhor fornada. Depois da escola, a gente brincava na calçada, inventava brincadeiras com pedrinhas, cordas e galhos de árvores, minha mãe fazia bonecas de pano e tudo era muito colorido.
As crianças ganhavam brinquedos apenas no Natal, no aniversário e no Dia das Crianças. Quem ganhava presentes nas tres datas era considerado um sortudo, ainda mais se os tres presentes fossem brinquedos. Na maioria das vezes, um presente era brinquedo, o outro roupa e o terceiro um sapato. Dinheiro no bolso era algo impensável! Minha mãe preparava o sanduiche e o suquinho que levávamos na merendeira (atualmente conhecida como lancheira). Diga-se de passagem que o suquinho não era natural e sim o famoso Q-Suco. Anilina pura! O mais engraçado é que naquela época ninguém tinha alergia à anilina ou qualquer outro corante, ninguém ficava gripado mais de uma vez ao ano e não lembro de ter ficado doente alguma vez. As crianças ficavam de cama quando levavam tombos e surras de outras crianças, mas ninguém era tão sensível assim para ficar de cama mais do que algumas contadas horas.
A calçada era o nosso playground e só voltávamos para casa quando a fome apertava ou quando recebíamos o ultimato da minha mãe. Aliás, quem não atendia ao ultimato, levava uma surra de chinelos Havaianas (aquele azul e branco e não os atuais modelos modernosos). Naquela época, levar surra da mãe era educativo e ninguém sabia o que era um psicólogo. Por falar nisso, eu queria entender quando foi que a humanidade ficou tão sensível à ponto de dar tanto emprego para os psicólogos.
A nossa última etapa do dia era o banho, com direito a fila. Um entrava no banho e o outro ficava batendo na porta do banheiro e reclamando da demora. A cada reclamação, só por pirraça, o banho se estendia mais um pouco. Eu era a rainha da pirraça.
Depois vinha aquele jantar perfeito preparado pelos meus pais: ovos fritos, batata frita, tomate frito, azeitona, queijo, salada, homos, beringela frita, abobrinha frita e para coroar, um frango assado e muito pão. Ninguém falava em colesterol alto, comida saudável, dieta, sobrepeso e essas baboseiras esquisitas que apareceram nos últimos tempos. A gente comia até passar mal e brigava pela última batatinha frita.
É claro que a gente não podia assistir à novela das oito, porque era para adultos. Mas minha mãe nem precisava brigar tanto para nos colocar na cama, já que tinhamos gasto nosso último fiozinho de energia no jantar. E que jantar!
Aquele aroma está agora me assombrando, me levando à infância e me trazendo para o presente. Onde quer que este aroma esteja guardado, ele faz parte de mim e da minha identidade. Coisa que o tempo não apaga.
É claro que não vou deixar de me revoltar com a falta de talento culinário da minha empregada, a Raimunda, ou Ray para os mais íntimos, mas custava aprender a fazer um cafézinho decente?
Nossa, Jihan, não imagina como os aromas me remetem a épocas nem vivenciadas. É uma sensação de déjà vu, mas com a certeza de que nunca vivi essa situação antes - não pelo menos nesta vida.
ResponderExcluirAdoro quando isso acontece.
Engraçada a teoria da sincronicidade. Estava entre amigos, esses dias, conversando exatamente sobre esse assunto.
Saudade.
Beijos.
Grazi
O Oswaldo Montenegro disse:"Metade de mim é a lembrança do que fui, a outra metade eu não sei"....Talvez a lembrança do que já foi em outras dimensões.
ResponderExcluirBeijos
É engraçado Jihan, como as nossas infâncias se assemelham, em níveis diferentes mas se assemelham.
ResponderExcluirEu também tenho os meus aromas que ficaram guardados na minha memória, vários... mas o que jamais esqueço é a comida que era preparada pra minha mãe quando ela tinha bebês: Leonardo e Zezé (os que eu me lembro).
A franga era tratada pra engordar e no dia do parto da minha mãe, a pobre da galinha, coitada, era sacrificada para o prato especial da parturiente: um pirão de farinha grossa de mandioca com o caldo bem quente da galinha bem temperada com açafrão e bastante coentro e por cima desse pirão colocava-se os melhores e os mais apreciados pedaços, a coxa e a sobrecoxa, ai meu Deus que perfume! A minha mãe exausta, coitada, sentava na cama e comia bem devagar e eu a apreciava e torcia pra que deixasse uma sobra no prato pra eu ir lá fazer uma "boquinha" também rs... Saudades....
Sou suspeita de falar pq sou fanzona das tuas memórias mas... isso é que é infância né. Eu ainda tive o prazer de ter uma infância bem legal também.
ResponderExcluirAhhhhhhhhhh tadinha da "Ray" rsrsrs.... acho q sou igualzinha; cozinhar, pra mim, é um dom divino ;)
Mas nem um cafézinho???
ResponderExcluirSaudades da tia Dalva! Então estas memórias vão para ela também!
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