Ontem eu tirei o dia para conversar com minhas filhas. Lara, a mais velha, tem um orgulho peculiar de ser árabe. Apesar de ter nascido no Brasil, ter sangue brasileiro pelo lado paterno, mal consegue conter o orgulho quando falo das coisas do meu país. Ela adora a culinária, a cultura, as músicas, as danças, os trajes, o artesanato e principalmente a história. Outro dia estava cantarolando baixinho no meu quarto uma canção antiga que minha avó Ghalieh me ensinou. Quando percebi, lá estava a Larinha atrás de mim prestando muita atenção à canção. Pediu que eu a ensinasse a cantar e depois traduzir a letra da canção. Foi complicado, já que a canção estava repleta de palavras de duplo sentido, misturando a revolução palestina com os rituais da cerimônia de casamento. Mas foi engraçado vê-la se esforçando para repetir os versos e seu encantamento por conseguir decorar uma canção antiga da bisavó.
Lara é um capítulo à parte na minha vida. Foi ela que me ensinou a ter orgulho de tudo que sou e tudo o que represento ser. Ela tem uma verdadeira idolatria pela nossa origem palestina. Assiste ao noticiário e faz comentários incrivelmente inteligentes. Outro dia ela me perguntou onde estava a ONU na hora de defender os palestinos e por que ninguém faz nada pelo nosso povo. Foi difícil explicar à ela o jogo de interesses por trás da causa palestina, que passou a ser uma fonte de lucro para a mídia internacional e uma boa desculpa para os líderes mundiais, enquanto nosso povo agoniza s0b os efeitos da ocupação. É claro que ela não entendeu, mas achou tudo muito injusto.
Ela então me perguntou o que aconteceu com o sítio da nossa família que tinha uma plantação de oliveiras no vilarejo de Abbasiyeh. Eu contei que tudo foi queimado e tomado pelos israelenses de madrugada e que só deu tempo da nossa família fugir com a roupa do corpo. Aí veio a pergunta crucial: "Então é por isso que nós não temos nada de objetos da nossa família?" É! Tudo o que era nosso ficou lá. Ela então se conteve um pouco, depois me encarou com um olhar confuso e me contou que sua amiguinha tem uma cristaleira da bisavó na sala e muitos quadros antigos na parede.
Para levantar a moral da minha filha, eu disse a ela que a Palestina não precisa estar nos objetos para ser lembrada, pois ela está em nossos corações e por mais que tentem tira-la de nós, a cada geração que chega, ela se torna mais forte ainda, mesmo para as gerações que não tiveram a chance de conhece-la.
Aí ela me fez prometer leva-la à Palestina. Ela disse que não pertencerá à geração que não conhece sua terra. Eu prometi. Eu vou cumprir.
Lara é uma daquelas pessoas que cultiva o amor. E ama tudo o que cultiva.
Lara é meu orgulho!
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