quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Márua

Já fazia um tempo que ela planejava visitar Jerusalém, porém não surgia a oportunidade. Seu vilarejo localizava-se nas proximidades da capital da Palestina, mas os tempos eram de muita dificuldade. Neste dia, tudo tinha dado certo, tanto que seu vestido bordado e seu véu estavam à postos, prontinhos para serem usados, assim que o ônibus chegasse ao vilarejo. Sua mãe, Khadija, não estava lá muito animada, pois as dores do reumatismo estavam piorando. Porém, seu pai, Jamal, estava empolgado com a viagem, já que venderia na capital toda a sua produção de ervas aromáticas à um comerciante de sua confiança.
O ônibus buzinou anunciando sua chegada e Márua apressou-se a trajar seu vestido e cobrir os negros e lisos cabelos com o véu branco. Jamal prometeu à filha leva-la para o mercado de Jerusalém, para comprar uma nova peça de tecido, linhas e agulhas para costurar e bordar um novo Thoub, o vestido palestino. Khadija bem que gostaria de compartilhar do ânimo de sua família, mas sentia-se particularmente cansada naquele dia.
Pouco antes de partir, Khadija desistiu da viagem enquanto Jamal e Márua corriam para alcançar o ônibus. Deixaram para trás uma núvem de poeira e o vulto de Khadija acenando da janela.
Márua nem se lembrava mais que as ruas de Jerusalém eram cobertas de paralelepípedos irregulares, mas que formavam um desenho psicodélico, do qual era difícil desviar os olhos. Andou assim, de olhar baixo, até chegar à loja do comerciante, amigo de seu pai. Lá eles venderam quatro cestas de ervas, o que rendeu à Jamal um bom dinheiro. Alegre com o bom negócio, Jamal disse à  Márua que cumpriria com a promessa de comprar-lhe uma peça de tecido e as linhas. Dirigiram-se  ao mercado, na parte antiga de Jerusalém, pelas ruas onde Jesus Cristo andou. Logo na entrada no mercado havia um tanque de guerra, verde musgo, assustador. Márua parou e seu pai colocou a mão no bolso para tirar o documento de identidade que deveria apresentar ao soldado judeu que deles se aproximava. Jamal e Márua não entenderam nada quando o soldado raivoso apontou-lhes a arma e atirou, antes mesmo que pudessem reagir. Sentiram o peito queimar com as balas que o atravessam, enquanto o soldado raivoso concluía que não havia arma alguma, mas sim um documento de identidade. Sem remorsos, o soldado judeu mandou que todos se afastassem, enquanto os outros soldados aproximavam-se apontando mais armas para Jamal e Márua.
O céu escureceu.. Márua caiu sobre o  peito de Jamal, que dava seu último suspiro, enquanto o sangue dos dois regava o chão de paralelepípedos psicodélicos. Este mesmo sangue que manchava a entrada da velha Jerusalém, levou consigo  o sonho de Jamal de dar à Khadija uma nova pulseira de ouro e à Márua, o seu tão sonhado vestido. As balas do judeu raivoso abreviaram a vida de Márua e de Jamal, enquanto Khadija agonizava de uma dor repentina no peito. Foi assim que acabou mais uma família palestina.

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