Fui à Palestina uma vez só. Tinha cinco anos de idade na época. Dizem que crianças de cinco anos não conseguem guardar lembranças, exceto traumas ou acontencimentos relevantes. Mas eu guardei. Foi em 1974, logo depois do temível Setembro Negro. Minha família tinha se estabelecido em Amman, na Jordânia, e meu avô tinha mandado as passagens para que viéssemos ao Brasil. Antes de partir, meus pais resolveram visitar os parentes na Palestina, talvez pela última vez, e de fato fomos. Não lembro de como atravessamos a ponte do Rio Jordão, onde minha mãe disse que fomos parados durante várias horas à espera da autorização dos soldados israelenses. Estranho ouvir que precisamos de autorização de estranhos para entrar em nosso próprio país.
Mas lembro das ruas estreitas de Ramallah. Me vem à memória uma imagem de casarões de cor ocre, alguns pequenos prédios, uma pracinha em frente à quitanda da minha tia, onde haviam algumas flores vermelhas lindas e uma pequena árvore onde os moradores improvisaram um balanço de madeira. Outra lembrança bastante agradável é a da casa do meu tio Sharif, toda revestida de pedras brancas. Tinha dois andares, coisa rara na época, e um jardim na frente com duas oliveiras, uma parreira e algumas roseiras. Nós ficamos ali alguns dias. Minha tia fazia pão no forno de barro pela manhã, enquanto contava histórias da infância dela e dos meus pais, que foram criados juntos no vilarejo de Abbasyieh. Minha mãe ria muito, até ficar vermelhinha e meu pai provocava minha tia mais e mais, para que ela continuasse a entregar as peraltices de minha mãe.
Uns dias depois, fomos à Jerusalém. Minha mãe queria rezar na Mesquita do Domo da Pedra e visitar a Mesquita Al Aqsa. Confesso que não entendia muito bem os meus sentimentos, mas naquele lugar eu senti uma paz interior inigualável. Lembro até hoje que fiquei em silêncio, apenas observando minha mãe rezar. Foi uma das imagens mais lindas que já vi e que até hoje guardo comigo. Depois fomos passear pelas ruas antigas de Jerusalém e pelo mercado. Minha mãe comprou alguns presentes para os familiares no Brasil. Eu guardei na memória o cheiro dos temperos que se espalhavam pelas ruas antigas. Lojas cheias de cores, de madeiras esculpidas e tapetes fantásticamente bordados.
Não nasci na Palestina, mas naqueles poucos dias em que passei por lá, senti que aquele era o meu lugar. Até hoje sinto que falta um pedaço de mim, toda vez que aquelas belas lembranças me vêm à memória.
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