segunda-feira, 27 de julho de 2009

Só Mais Uma Discussão

O Globo
Assunto: O Mundo - Entrevista: Karen Koning AbuZaydTítulo: 1a 'Palestinos em Gaza estão cansados'Data: 27/07/2009Crédito: Renata Malkes
Comissária da ONU vem ao Rio para seminário sobre paz no Oriente MédioJERUSALÉM. De olho numa cadeira no Conselho de Segurança da ONU e em busca de um papel mais ativo na mediação de conflitos, o Brasil foi eleito sede do Seminário Internacional de Mídia sobre a Paz no Oriente Médio, que começa amanhã no Palácio do Itamaraty, no Rio, numa parceria entre a ONU e o ministério.Comissária-geral da Agência de Ajuda ao Refugiados Palestinos das Nações Unidas (UNRWA), Karen Koning AbuZayd acredita que a recuperação do território palestino destruído após a ofensiva israelense de dezembro de 2008 ainda está distante. Ela, que vem ao Brasil para o encontro, diz que o plano de reconstrução de US$ 370 milhões esbarra no embargo de Israel, que não permite o envio de materiais ao território.Renata Malkes, especial para O GLOBO O GLOBO: Quais os maiores desafios da reconstrução de Gaza seis meses após o cessar-fogo? KAREN KONING ABUZAYD: Um problema enorme é a questão do lixo e do esgoto, pois não temos estações de tratamento suficientes, o que é uma ameaça à saúde. O desafio maior é permitir que pessoas tenham uma vida o mais próximo possível do normal. Devido ao bloqueio israelense, não se pode fazer muito. Basicamente, há remédios e alimentos entrando nos comboios de ajuda humanitária, mas não podemos levar dinheiro ou empregá-lo em materiais de construção para reerguer o que foi destruído.Há grandes doações, mas só conseguimos fazer pequenos reparos em escolas, clínicas, hospitais. Temos tentado ajudar famílias a ganhar seu sustento, já que o índice de desemprego é altíssimo. Implantamos um programa de emprego rotativo, onde contratamos as pessoas por períodos de três meses.Empregamos entre 10 e 11 mil pessoas por mês, mas o número de palestinos em busca de uma vaga chega a 130 mil.O GLOBO: Pesquisas mostram que o embargo tem um efeito psicológico devastador sobre os moradores de Gaza. Como esse bloqueio afeta o dia a dia das pessoas? ABUZAYD: Além de saber que estão isolados e que não há liberdade de movimento, muita gente sequer vive num ambiente normal. Muitos moram sem infraestrutura adequada, em prédios semidestruídos. Como todo ser humano, os palestinos querem acesso a coisas simples do dia a dia, e não só alimentos e remédios. Por exemplo, imagine se você não pudesse comprar condicionador para os cabelos.Pela lista do Exército de Israel, xampus são permitidos em Gaza, mas condicionadores, não. Tentamos resolver o problema enviando xampus dois em um, mas o Exército bloqueou a carga. Tudo tem que ser negociado. As pessoas estão cansadas, não há dinheiro circulando, o comércio é prejudicado.Muitos produtos chegam pelos túneis, mas só quem lida com o contrabando ou ganha um salário do Hamas tem poder de compra.O GLOBO: Após o cessar-fogo, houve relatos de que homens do Hamas estariam atrapalhando e até saqueando bases de operação das Nações Unidas. Como é o relacionamento com o grupo? ABUZAYD: Distante. Não lidamos com eles porque não é nosso papel. Mas eles têm mantido uma distância respeitosa, pois o Hamas compreendeu que precisa de nós, já que somos os responsáveis pela sobrevivência de 70% da população. Eles também permitem a entrada de visitantes, doadores e têm servido como uma boa fonte de segurança.Funcionários e voluntários não têm mais medo de sequestros e chantagens como no passado.Neste quesito, é preciso dar crédito ao Hamas.O GLOBO: E a relação com a Autoridade Nacional Palestina, na Cisjordânia? ABUZAYD: É preciso muita diplomacia.A ANP tem que entender muito bem tudo o que é feito em Gaza, todos os projetos e manobras. É um tema sensível, pois há quem pense que estamos ajudando o Hamas, mas vemos o trabalho de outra maneira.Nossa tarefa lá é oferecer serviços à população numa alternativa às autoridades de Gaza, ou seja, ao Hamas.O GLOBO: O novo governo dos EUA tem se mostrado mais austero em relação a Israel. Que impacto isso tem na região? ABUZAYD: Há mudanças claras de discurso e de atitude que esperamos que leve a uma política mais balanceada. As próximas semanas serão interessantes, já que teremos uma série de visitas de oficiais do alto escalão americano na Faixa de Gaza, como o ministro da Defesa, o chefe do Conselho de Segurança Nacional e até mesmo o enviado ao Oriente Médio, George Mitchell.É a primeira vez que os americanos vão a Gaza, que se sentem seguros para visitar, ver o que acontece dos dois lados da fronteira.É a hora de pressionar Israel e também os palestinos.Quero lembrar que enquanto estiverem divididos entre Gaza e Cisjordânia, não poderão ir em frente. Eles somente avançarão juntos, como um povo só.O GLOBO: Que contribuição um país como o Brasil pode oferecer? ABUZAYD: O Brasil tem pelo menos 60 mil palestinos em seu território e vem ajudando muito, não só com doações, mas oferecendo abrigo, como o dado aos refugiados palestinos do Iraque que viviam num campo na fronteira com a Jordânia. O papel do Brasil vem crescendo muito, principalmente por sua capacidade de dialogar e de ouvir todos os lados do conflito.Novos mediadores potenciais são bem-vindos e podem ser decisivos para revitalizar o processo de paz e injetar disposição, novas ideias e propostas.

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