- Esta é a sua melhor foto.
- Ah, você acha?
- Sim.
- Estou a cara do James Dean.
- Nananinanã. Está a cara do Elvis Presley.
- Também acho. Sempre fui muito bonito.
- Ah, metido!
- Confessa. Eu sou um partidão!
- Não vale pai. Naquela época, vocês tiravam foto em estúdio e tinha toda aquela produção.
- Mas o que conta de fato é o modelo e, convenhamos, seu paizão aqui não deixa a desejar.
- Mas isso foi à muito tempo. Agora você está velho.
- (Risadas). Sua mal-criada.
- Foi você quem me criou.
- Deve ser por isso mesmo, faltaram umas palmadas, mas posso resolver isso agora.
- Ah nem vem!
- Só um beliscão.
- Pára pai!
- Vou te mostrar quem é velho. Eu ainda mando muito bem!
- Ahã! Você é descolado!
- Viu, você reconheceu!
- Sob alta pressão.
- Não interessa.
- Posso ver as outras fotos?
- Pode, mas se me chamar de velho de novo, eu tiro uma foto sua na hora em que você estiver acordando e mostro para todo mundo.
- Isso é golpe baixo. Eu já te falei que meu cabelo não obedece a lei da gravidade pela manhã.
- Por isso mesmo!
- Paiê, por que você não tirou mais fotos deste tipo na época em que você ostentava aquele topete?
- Ah, é complicado. A gente tirava só uma foto por ano, quando sobrava dinheiro.
- Mas esta foto foi tirada na Jordânia?
- Não, foi em Ramallah. Eu ainda era noivo da sua mãe. Queria impressionar.
- Deu certo!
- Deu sim, mas a sua mãe era uma tremenda gata. Ruivinha, olhos verdes, alta, toda bonitona e andava sempre bem elegante. Ela trabalhava com o pai dela na confecção de roupas de lã que eles tinham em Ramallah e eu trabalhava numa alfaiataria bem em frente.
- Aha, então você ficava paquerando a mamãe?
- Ficava, mas bem de longe. Naquela época, a gente só se falava depois do casamento. Não foi nosso caso, porque éramos parentes e só não nos falávamos mais porque a sua vó Miriam era muito implicante comigo.
- Ela era contra o casamento de vocês?
- Era. Por um só motivo: eu era muito pobre e sua mãe era muito bonita. Sua vó queria um casamento melhor para ela.
- Eu sei. Ela não esconde isso até hoje.
- Ela vive do passado.
- O fato é que você se casou com a mamãe e teve uma linda filha. Eu!
- Tive lindos filhos. Você é a mais feinha, mas é engraçadinha.
- Sai fora!
- Olha o respeito com o seu pai.
- Hum! Todo mundo diz que eu sou a sua versão feminina, então você também é feio.
- Negativo! A versão masculina é sempre mais bonita. Olha o exemplo do pavão.
- Você é um convencido, isso sim!
- Sabe qual a foto que eu mais gosto? Esta aqui, no seu primeiro ano de idade, quando a sua mãe te vestiu de noiva e mandamos fazer uma vela do seu tamanho. Naquela época você ainda era bonitinha.
- Pôxa, você não pára de me sacanear.
- Ah, mas olha aqui para você. Tão fofinha, tão gorduchinha. Eu fui ao melhor estúdio, no centro de Amman, tirar esta foto. Todo mundo ficou louco quando te viu tão pequenininha e vestida de noiva.
- Que coisa brega!
- Eu não acho! Apesar da guerra, das desgraças em que nós viviamos, sua carinha me fazia acreditar que valia à pena lutar. Você não imagina a situação em que viviamos. As pessoas não sabiam se iriam amanhecer vivas. Mesmo assim, a gente tentava levar a vida, trabalhar e tentar fazer coisas boas, como a sua primeira festinha de aniversário. A primeira filha, a primeira neta, a primeira sobrinha. Você foi o centro das atenções durante um bom tempo. Pode se gabar disso!
- Ah, pois eu só lembro das primeiras surras que levei do tio Amin, porque ele deixou de ser o caçula da família.
- Ah, tem isso também. Você veio ao mundo para provocar. Fazer o quê?
- Engraçadinho!
- Cansei de ver fotos e você não fez o meu café até agora. Eu trouxe um cardamomo cheirosíssimo. Capricha!
- Eu sabia que isso não ia acabar bem! Sobrou para mim de novo!
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