Eu bem que tento esquecer alguns episódios da minha vida, mas eles me perseguem e minha memória se recusa a apaga-los, tanto que resolvi aceitar este fato como lógica do destino.
Hoje, minha memória me levou para passear em Amman, no ano de 1982. Eu tinha 14 anos (é, eu sei, faz tempo!). Era um final de tarde de Sexta Feira e eu estava na estação rodoviária do centro de Amman com o meu avô Mahmud. Meu avô tagarelava à bessa sobre lembranças do passado e filosofava na esperança de me ensinar algo importante. Mas a minha atenção estava voltada para o grande movimento de pessoas que iam e vinham. Uma senhora bem gordinha apoiada no ombro do filho, reclamando de dores nas pernas, um homem carrancudo que fingia não enxergar os que estavam à sua volta, uma mocinha brega com uma saia branca cheia de babados e rendas, um grupo de rapazes sorridentes, feios e paqueradores, uma família com aspecto bem cansado, crianças, muitas crianças e outras criaturas comuns à uma cidade grande.
Mas o que de fato me chamou a atenção foi um par de olhos azuis, cristalinos, brilhantes, muito bem harmonizados num rosto bronzeado, perfeito, moldurado por um cabelo preto longo e cacheado, preso num rabo-de-cavalo. Aquela exótica beleza destoava em meio à feiura do local. Estava usando um macacão jeans desbotado e uma camisa xadrez azul e preta e coturnos bem surrados. Ao perceber meu olhar, deu um sorriso largo, bonito, perfeito e me acompanhou com os olhos até desaparecer em meio à multidão.
Tudo isso aconteceu em tres ou quatro segundos, mas ficou bem marcado na minha memória. Quando dei por mim, meu avô estava me chamando para pegar o ônibus que nos levaria à casa da minha avó. Eu tentei disfarçar meu sorriso, mas quase não consegui.
Foi minha primeira paquera e a primeira paquera, a gente nunca esquece!
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