Dizem que as brincadeiras de crianças refletem o espírito de um povo. Eu acredito nisso piamente. Rebuscando algumas das cantigas que repetiamos na escola, notei que quase todas trazem versos sobre a diáspora palestina, sobre o sofrimento, a fuga, os lares deixados para trás, as oliveiras, as parreiras, algumas referências à terra, como não deixar escaparr o último punhado de areia da mão.
Foi assim que cresci, repetindo cantigas sofridas de quem perdeu o lar, de quem perdeu o chão e viu-se jogado numa nova realidade por uma imposição selvagem.
A cantiga que mais ficou gravada na memória, foi a da brincadeira de trocar o chapéu. Faziamos uma roda de crianças sentadas no chão e uma corria em volta carregando um chapéu na mão. Quando acabávamos de cantar, a criança que estava em pé colocava o chapéu na cabeça de outra que estava sentada. Esta por sua vez levantada e dava voltas com o chapéu, repetindo a brincadeira. Mas a questão é o que se dizia nos versos que cantávamos. Vou tentar traduzir com certa fidelidade:
Tak Tak Takie - cha cha chapéu
O ana bala hawieh - Eu estou sem documento
Ren ren ya jaras - Toque toque o sino
Khanjar fe dahri engharas - enfiaram uma adaga em minhas costas
Tak tak ya abu el tok - Ele aguentou, ó dono do círculo (círculo - referência aos países do centro do Oriente Médio)
Ya bladi ana koli shok - Ó minha terra, estou cheio de saudades
Minha geração foi a primeira nascida logo depois da diápora palestina. Minha geração absorveu todas as reações imediatas de instabilidade, de dor, de perda, de injustiça, de isolamento e da falta de referência. Isso sem mencionar o Setembro Negro. O medo que assolou os acampamentos palestinos na Jordânia naquela época era assombroso. O estado de sítio era outra tortura para quem já tinha sofrido tantas outras. Foi no meio de tudo isso que brotou a minha geração, sem liberdades, sem brinquedos, sem alimentos suficientes. O que nos restava era cantar. E cantávamos muito, muito, muito e dessas cantigas tirávamos nossas forças para crescer, resistir e continuar, até hoje, nossa resistência palestina.
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